sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Through his eyes

   É engraçado pensar no quão distraído era e como agora sou observador. Acho que a paciência é uma virtude que a idade traz e é por isso que agora consigo prestar mais atenção aos detalhes. Sentado no meu banco de jardim habitual, observo as pessoas.
   Homens de fato, sempre de telemóvel na mão, a andar em passo apressado. Também eu já fui um viciado em trabalho. Só nunca me viciei no poder.
   Um casal que discute no meio da rua. As pessoas preferem discutir em vez de falar civilizadamente. E muitas vezes discutem por coisas mínimas. Já eu, só posso discutir comigo mesmo.
   Sinto qualquer coisa a bater-me nos pés. Olho para baixo e vejo uma bola. À minha frente está um miúdo franzino, que olha para mim, imóvel. Parece assustado. Pego na bola e estendo-lhe a mão, com um sorriso. Continua sem sem mexer. Mais dois miúdos surgem, a correr. "Pega na bola e deixa esse velho.", disse um deles e o outro riu-se. O menino assustado tirou a bola da minha mão e juntou-se aos outros dois, sem sequer dizer um "obrigado".
   "Deixa esse velho". A maneira como o rapaz disse aquilo magoou-me. Senti-me como alguém inútil, que não merece ser visto ou ouvido. Estou velho e gasto e, por isso, ultrapassado. Sou uma pedra no sapato para a sociedade.
   Estes pensamentos são interrompidos quando uma menina corre na minha direcção. Parece um anjo caído do céu. O sorriso dela enterneceu-me. Disse-me "olá" e eu fiz o mesmo, com a minha voz rouca. Pegou na minha mão com as suas e disse: "Avó! Avó! Encontrei o avô!". A avó dela, uma mulher coberta de toneladas de maquilhagem para esconder a idade, pegou na mão dela bruscamente, separando-me a mim e à menina.
   "O avô está no céu, já te disse. Vamos embora!"
   "Mas eu quero o avô!" - chorou e berrou a menina.
   Dizem que os homens não choram, mas é mentira. Não pude deixar de verter uma lágrima de emoção. Gostava de poder ser o avô daquela menina mesmo que fosse a fingir.
   Levanto-me do banco com a ajuda da bengala e começo o trajecto vagaroso até casa. Tenho 80 aos de idade e não posso fazer o tempo voltar atrás e mudar o que está errado. É tarde para mim. Espero que não seja tarde para este mundo.



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"Prolongar a juventude é desejo de todos, desfrutar de uma velhice sadia é sabedoria de poucos"